Partindo do trabalho dos precursores do fotodocumentarismo de denúncia social como John Thomson, Jacob Riis e Lewis Hine, o artigo versa sobre modificações significativas que levaram a emergência de um novo fotodocumentarismo social: aquele resultante de projetos que utilizam a fotografia como elemento de inclusão social e visual. Abordando diferentes experiências no Brasil, o artigo pretende mostrar projetos que contribuem para a formação de fotodocumentaristas capazes de construir sua imagem e produzirem eles próprios as transformações de que a sua comunidade necessita.
Olhares de pertencimento: novos fotodocumentaristas sociais é de autoria da jornalista e fotógrafa Júlia Mariano, e contou com minha co-autoria e orientação, o artigo foi publicado na revista Discursos Fotográficos, v. 5, p. 214-228, 2009, do Programa de Pós-graduação - Mestrado em Comunicação Visual e Especialização em Fotografia e Imagem da Universidade Estadual de Londrina - UEL.
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1 – Introdução
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Importante instrumento para o registro de guerras no século XIX, o fotojornalismo já era desde o início um segmento de comunicação censurado pelo governo, que ao financiar a viagem de Roger Fenton à Guerra da Criméia deixou claro qual era o conteúdo da mensagem fotográfica que queria: aquela que não causasse preocupação nos parentes dos soldados que estavam a serviço da nação estadunidense.
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Paralelo ao fotojornalismo, surgiu a fotografia documental que se baseava na escolha e planejamento prévio do tema a ser abordado e utilizava narrativas fotográficas para contar histórias. No entanto, esse ramo da fotografia não mereceu o mesmo destaque pela imprensa da época que o fotojornalismo, que estava focado na fotografia de guerra. Com menos interesse e direcionamento editorial, muitos trabalhos fotodocumentais de etnografia, antropologia ou de transformação social não foram publicados na mídia e devido a isso, não chegaram ao conhecimento da população. Os primeiros indícios de fotodocumentarismo são as fotografias de viagens e de curiosidades etnográficas na documentação da conquista do Oeste, nos Estados Unidos.
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John Thomson foi o precursor da fotografia documental de cunho social, uma das primeiras vertentes do fotodocumentarismo, que retrata temas relacionados com o ser humano e com o seu ambiente, denunciando problemas que afetam a sociedade como a fome, conflitos étnicos e religiosos, desigualdades sociais e guerras. Propiciando que o mundo tomasse conhecimento dessas questões, a população podia agir e modificar a sociedade. Empenhado em modificar a realidade, Thomson publicou em 1862 Street Life in London ( A vida nas ruas de Londres), obra que incorporava fotografia e textos explicativos sobre os estilos de vida dos londrinos, buscando o amparo dos mais carentes pela camada social mais favorecida da sociedade.
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Jacob Riis e Lewis Hine são importantes representantes desse modelo de fotodocumentarismo por terem se empenhado em modificar realidades acometidas das mazelas sociais no final do século XIX e início do século XX. Suas fotografias eram meios de transformações pois se tratavam de denúncias que contribuíram para melhorias sociais. Eles deixavam transparecer nas suas imagens dor, sofrimento e condições desumanas de trabalho. Havia um propósito de intercessão por meio das fotografias, verdadeiros instrumentos provocadores de reflexões na sociedade.
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A popularização do fotodocumentarismo se deu por meio do surgimento das revistas ilustradas. Vu na França, Life nos EUA e O Cruzeiro no Brasil são exemplos desse tipo de mídia. “O sucesso desse modelo se deu graças ao enorme desejo de conhecer o outro, de saber como ele vive, o que pensa, como vê o mundo e com o que se importa” (SOUSA, 2004, p.55). Contudo, na maioria das vezes, não se via estampado nessas revistas trabalhos de denúncia social.
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2 – Transformações do fotodocumetarismo
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Após a geração de fotodocumentaristas de denúncia social atuante nas primeiras décadas do século XX, houve uma vertente de profissionais que abandonou a fotografia como meio de transformações sociais, e produziam suas imagens sem se preocupar com as mudanças que elas poderiam causar na sociedade. O surgimento das agências de notícias nas quais o fotógrafo precisava produzir um material que potencialmente tivesse um interesse de compra por parte dos jornais fez com que o profissional focasse suas atenções na fotografia como um produto final, diminuindo sua responsabilidade com as comunidades documentadas. Paralelo a isso, Lombardi (2008) diz que a falta de interesse pelas modificações sociais que o fotodocumentarismo poderia causar estava relacionado à ausência de efetivas transformações sociais causadas pelo impacto das fotografias.
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Segundo Boni (2008) somente no final do século XX, com uma nova geração de fotodocumetaristas, as modificações sociais que a fotografia poderia causar voltou a ser uma preocupação. Sebastião Salgado é um dos importantes nomes dessa vertente, tendo produzido trabalhos focando diferentes temas. O fim da Pólio é resultado de um trabalho realizado para a Campanha Mundial de Erradicação da Poliomielite, documentando vacinações na Somália, no Sudão, na Índia, no Congo e no Paquistão.
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Outro importante nome do fotodocumentarismo contemporâneo brasileiro é João Roberto Ripper. Responsável por importantes trabalhos de denúncia social, fotografou situações de trabalho escravo e trabalho infantil, condições degradantes de trabalho em carvoarias e desaldeamento de povos indígenas. Entre outras transformações, seu trabalho contribuiu para que inúmeras pessoas se livrassem do trabalho escravo e conseguissem tirar sua carteira de trabalho.
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O fotodocumentarismo social encontrou novas possibilidades com o advento do Terceiro Setor no Brasil no início dos anos 90, quando muitos projetos sociais de organizações não governamentais (ONGs) surgiram com propostas de uso da fotografia em diversas experiências. Sempre com o intuito de difundir a fotografia para um público maior, os projetos objetivam a valorização da auto-estima e a leitura crítica do mundo. Os primeiros projetos utilizavam a fotografia como instrumento de cidadania. Já no início do século XXI, a abordagem dos projetos passou a ser a educação visual como ferramenta de inclusão social (MENDES, 2008).
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O fotodocumentarismo contemporâneo sofre mudanças estruturais no seu modo de concepção e produção. Enquanto o arquétipo projeto documental estava preocupado em chamar a atenção para sujeitos particulares, frequentemente com o objetivo de fazer com que o público contribuísse para a mudança da situação social ou política vigente, o fotodocumentarismo contemporâneo coloca os “sujeitos particulares” como atores sociais: em vez de figurarem nas fotografias como meros expectadores de mudanças e receptores passivos de imagens produzidas pelo outro de classe , passam a ser documentaristas da sua realidade e transformadores sociais a partir do momento em que enxergam os problemas sociais que estavam acostumados a ignorar. Através da visualização das fotografias, são colocados os problemas e, a partir daí, pensadas as soluções.
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Uma parte importante da população é sistematicamente excluída da produção da própria imagem, sendo sempre e sistematicamente apresentada ao conjunto da sociedade sob o impacto da tragédia.
“Uma sociedade ou um grupo social quando abre mão de produzir a sua própria imagem está renunciando a si mesmo, e assim, começa a deixar de existir enquanto sociedade ou grupo social distinto. [...] esse abrir mão não significa deixar de produzir imagens, mas delegar a outrem a produção de sua própria imagem.” (GURAN 2008)
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Produzir e instigar a visualização de fotografias é trazer ao senso comum imagens que, embora cotidianas, não chegam a todos e, portanto, passam distantes da realidade de quem não as vivencia. Desse modo, além de diminuir a distância entre as comunidades, a fotografia tende a aproximar os olhares.
Muitos dos projetos sociais surgiram depois do fotodocumentarista tomar fotografias de determinada comunidade com o intuito de documentá-la e então perceber a possibilidade dos moradores produzirem um outro tipo de trabalho fotodocumental no qual não figura apenas a subjetividade de um único sujeito de outra classe social, portador do instrumento capaz de gerar imagens que possam mudar a realidade. Assim, esse novo fotodocumentarismo é composto de múltiplas vozes da comunidade, construído com olhar de sujeitos pertencentes à comunidade que está sendo retratada, sendo possível gerar um trabalho fotodocumental rico em identidade e com maior envolvimento entre fotógrafos e comunidade fotografada, fugindo das imagens estereotipadas que normalmente são veiculadas na mídia tradicional.
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Tem se tornado freqüente encontrar projetos que utilizam a fotografia em suas atividades e que trabalham paralelamente questões ligadas à cidadania, de maneira que o morador da comunidade tome consciência de seus direitos. Assim, além de produzir sua própria imagem baseado no direito à comunicação, perceber as modificações que a sua comunidade necessita, ele próprio pode reivindicar e originar as providências necessárias para o bom funcionamento do seu ambiente.
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A mídia tradicional fabrica notícias para seu público, mostrando as ações violentas e conflitos com a polícia, sem dar atenção às situações objetivas que as provocam (CHAMPAGNE, 1997). Regido pelo frescor da notícia, pela falta de tempo de apuração de fatos que geram os conflitos, por concursos fotográficos internacionais que premiam e enaltecem fotografias relacionadas à violência bélica e colhendo frutos editoriais, o fotojornalista acaba focando seu trabalho no factual e não tem no seu cotidiano a mesma intenção que os fotodocumentaristas tinham de provocar mudanças sociais.
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Fugindo do estereótipo das imagens dos fotojornalistas, que acabam gerando preconceito e mais marginalização, os jovens pertencentes a esses projetos sociais se apropriam da fotografia e elaboram trabalhos fotodocumentais, que desalienam sua imagem e constroem um trabalho coletivo de afirmação visual e identitária.
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3 – Projetos pelo Brasil
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A utilização de fotografia para inclusão social de crianças e jovens ganhou força com a exibição do documentário Born into Brothels: Calcutta’s red light kids (Nascidos em Bordéis) de Zana Briski e Ross Kauffman, . Durante o trabalho em Calcutá, Briski se instalou em um bordel para documentar o dia-a-dia das prostitutas e descobriu a possibilidade de trabalhar com as crianças, filhas dessas mulheres. Oficinas de fotografia foram ministradas e cada criança recebeu câmeras e filmes para registrar o seu cotidiano. É perceptível o envolvimento de Briski na tentativa de contribuir com a transformação da realidade dessas crianças.
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A partir dessa experiência, foi fundada a ONG Kids with cameras , tornando-se popular a utilização da fotografia em projetos de inclusão social. As fotografias tomadas pelas crianças participantes do projeto são vendidas e a verba gerada colabora para que o projeto continue a existir em outras comunidades, em vários países, além de ser aplicada na educação das crianças participantes.
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No Brasil, João Kulcsár coordena a ONG Alfabetização Visual , que desenvolve atividades com diversos grupos sociais em São Paulo. Entre os projetos está o Fotografia e Cidadania na Febem, que atendeu jovens internos e funcionários da instituição. O programa, baseado em princípios de alfabetização visual, consiste na habilidade de entender o sistema de representação, associado à possibilidade de expressão por meio da imagem. Oficinas de fotografias permearam discussões sobre redução da maioridade penal, prevenção do HIV e desarmamento.
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Em 2008, durante a Conferência Internacional Direitos Visíveis III: a Fotografia como Instrumento de Alfabetização Visual, realizada em São Paulo, Kulcsár apresentou o projeto de alfabetização visual com jovens deficientes visuais, desenvolvido em parceria com a Faculdade de Fotografia do Senac São Paulo. A apresentação contou com a participação dos monitores, alunos e do idealizador do projeto e com uma exposição fotográfica adaptada para que os deficientes visuais pudessem percebê-la utilizando outros sentidos, além da visão. Além de legendas em braile, fotografias com intervenções em alto relevo permitiam que a exposição se tornasse acessível aos deficientes visuais. Em uma nova fase do projeto que será realizada em 2009, os estudantes utilizarão a fotografia como meio de denúncia da falta de acessibilidade nas ruas de São Paulo.
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André François, em São Paulo, coordena a OSCIP ImageMagica que trabalha a transformação dos indivíduos por meio da percepção da comunidade que os rodeia. Ao promover oficinas de fotografia e aliar a elas o trabalho fotodocumental de François, a ONG produz trabalhos que se complementam , como o projeto Humanizando Relações , que utiliza a fotografia para promover a humanização dos ambientes de atendimento médico. Como resultado desse projeto, foram publicados os livros Cuidar: um documentário sobre a medicina humanizada no Brasil e A curva e o caminho com fotografias de François e o livro Humanizando Relações, cujas fotos são fruto das oficinas realizadas nos hospitais visitados por François e sua equipe, buscando o olhar das pessoas hospitalizadas. O projeto utilizou como feedback exposições fotográficas nos ambientes hospitalares e trouxe à tona a necessidade do cuidado como elemento fundamental de qualquer tratamento.
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Paralelo a esse trabalho realizado nacionalmente, a OSCIP desenvolve em São Paulo atividades em diversas comunidades e escolas utilizando a técnica pin hole para alfabetizar visualmente crianças e jovens com o objetivo de integrá-los à comunidade por meio da percepção gerada pela fotografia. A ImageMagica oferece ainda cursos profissionalizante de fotografia para jovens em situação de vulnerabilidade social, ex alunos ou participantes de outros projetos do Terceiro Setor.
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Criada em 2004 por João Ripper no Complexo da Maré, a Escola de Fotógrafos Populares Imagens do Povo inicia os jovens no mundo da fotografia, articula o ingresso deles no mercado de trabalho e busca formar documentaristas fotográficos capazes de registrar os espaços populares, resgatando a história das comunidades e estimulando a afirmação de uma identidade positiva desses espaços. Realiza ações nas esferas da educação e cultura com o objetivo de democratizar a linguagem fotográfica, utilizando a comunicação para garantia dos direitos humanos. A partir do momento em que esses jovens passam a ser estudantes de um curso profissionalizante e conseguem trabalho, divulgando novos olhares sobre a favela, a representação deles na comunidade muda, assim como a aceitação deles na sociedade. O projeto possui uma Agência de Imagens que comercializa o trabalho dos fotógrafos populares e mantém a Escola. Trabalhos já foram expostos em galerias consagradas como a do Centro Cultural Banco do Brasil, escoando o trabalho dos fotógrafos e dando visibilidade aos espaços populares.
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No Rio de Janeiro, a ONG Viva Rio é responsável por diversos projetos realizados em favelas. Um deles é o Viva Favela , que alia jornalistas e correspondentes comunitários na elaboração de um portal de notícias de várias favelas do Rio de Janeiro. Trabalhando o jornalismo comunitário, promove inclusão digital, democratização da informação e contribui para a redução da desigualdade social. Outro projeto é o Foto Favela , responsável pela produção e apresentação das fotografias desse projeto que objetiva mostrar favelas vivas, de forma humana e espontânea, abrindo também espaço para abordagem de problemas sociais. Os fotodocumentaristas, por estarem de fato inseridos nessas comunidades, são capazes de gerar ensaios fotográficos que retratam o cotidiano desses ambientes. Exibido nas comunidades, em galerias e centros culturais, o trabalho tornou-se internacionalmente conhecido ao ganhar o prêmio de estímulo à fotografia pelo Open Society Institute, em Nova York.
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O Portal Viva Favela disponibiliza matérias e fotografias produzidas por suas equipes nas favelas. Sendo fonte de pauta para outros meios de comunicação, ele é um importante espaço virtual de divulgação do material produzido, assim como o portal Foto Favela, no qual estão disponíveis diversas exposições coletivas, ensaios individuais e uma potencial agência de imagens (embora com o espaço reservado, permanece fora do ar). Uma parte do portal é aberta para exposição de trabalhos de fotodocumentaristas sociais que não são moradores da favela. Com isso, há possibilidade de apreciar, lado a lado, trabalhos de fotodocumentaristas renomados como André Cypriano e dos novos fotodocumentaristas, atores sociais, mostrando, cada um sob sua ótica, a realidade das favelas.
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Outra iniciativa que merece destaque é a da Associação FotoAtiva , que coordenada pelo fotógrafo Miguel Chikaoka, desenvolve trabalhos utilizando a técnica da fotografia pin hole e é responsável pela organização do Pin hole day (Dia da pin hole) no Brasil. O projeto mais conhecido, o Olhos d’Água, abordou com jovens as questões ambientais, promovendo debates sobre a importância e o uso da água. Porém, recentemente a atenção tem sido voltada para os trabalhadores do mercado popular e pescadores, focando o local de trabalho deles, o centro histórico patrimonial de Belém, resgatando a história e produzindo documentos. A Associação busca trabalhar sempre a fotografia sob o aspecto lúdico.
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Ponto recorrente em todos os projetos, a busca da identidade está relacionada com a tentativa de mostrar uma realidade ocultada pela mídia tradicional que acaba marginalizando ainda mais as pessoas que se encontram em situações excludentes da sociedade: seja os moradores da favela, os jovens internos da Febem,os deficientes físicos, os hospitalizados, entre outros. Tratam-se de tentativas de transmissão de uma nova imagem por meio de uma construção identitária coletiva de sujeitos inseridos nessas circunstâncias.
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4 – Reconhecimento e validade do trabalho
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A figura do fotógrafo documentarista social não está fadada ao desaparecimento. Pelo contrário: tende a se fortalecer com a descoberta de universos micros. A atividade sofre alterações de acordo com as necessidades do momento, quando sistemas de produção alternativos se configuram em projetos sociais para elaboração de documentos coletivos de afirmação visual, nos quais os sujeitos moradores das comunidades são colocados como narradores de suas próprias histórias, gerando movimentos de comunicação dentro das comunidades e promovendo o conhecimento delas.
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A mediação dos fotodocumentaristas é imprescindível para a transmissão de informações a esses jovens e para a circulação da voz desses sujeitos sociais que até há pouco tempo não podiam controlar sua própria representação. Além de orientar a produção das imagens, propõem discussões a respeito dos usos que podem ser feitos delas, das formas de escoamento dessas imagens e sobre as transformações visíveis e possíveis na sociedade.
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Embora Mendes (2008) duvide da validade das exposições fotográficas que veiculam a produção gerada pelos projetos, justificando que nelas não é ressaltado o processo de produção dessas imagens, é possível perceber um avanço na forma de divulgação e compartilhamento de informações. O projeto Esporte na Favela, realizado pelo Observatório de Favelas e pela Escola de Fotógrafos Populares e patrocinado pelo Ministério do Turismo, promoveu no Centro Cultural Banco do Brasil uma exposição que possibilitou, em um grande centro cultural, o acesso às imagens produzidas e um bate papo com os fotógrafos.
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Segundo Lucas (2008), hoje, “a conexão entre consciência crítica e transformação social depende do acesso às novas tecnologias de comunicação, da livre troca de idéias e do acesso permanente à informação”. A utilização de portais como forma de divulgação dos projetos permite veiculação de dados consistentes sobre os projetos, novidades, agenda de atividades e as fotografias produzidas. Com o advento de novas tecnologias e da inclusão digital, bancos de imagens e meios alternativos de comunicação estão abrindo novas possibilidades de divulgação desses trabalhos, que servem inclusive para pautar a mídia tradicional. Exemplo disso foi o diálogo conseguido entre a Escola de Fotógrafos Populares e o jornal O Globo, que concedeu à Escola o prêmio Gente que faz o Globo, além de destinar várias páginas do jornal à divulgação das fotografias.
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O debate acadêmico sobre processos pedagógicos, identidade, alfabetização visual e inclusão social tem sido gerado em eventos como a conferência Internacional Direitos Visíveis, que em 2008 realizou sua terceira edição em São Paulo, depois te ter ocorrido na Universidade de Harvard, nos EUA. O FotoRio , Encontro Internacional de Fotografia do Rio de Janeiro, também propõe discussões internacionais acerca dos diversos projetos de inclusão visual. Além disso, o projeto Imagens do Povo é parte do projeto sócio-pedagógico do Observatório de Favelas e conta com o reconhecimento da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal Fluminense (UFF), uma prova de que é possível a inserção da Universidade em espaços populares.
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Instituições como Unicef, Unesco, Furnas, Fundação Itaú Social e Petrobras são exemplos de empresas que fomentam projetos sociais que utilizam a fotografia como meio de conhecimento da comunidade e de inclusão social e visual. Graças a esses apoiadores, projetos como os citados neste artigo podem ser viabilizados e assim, além de tornar público “como vive a outra metade da sociedade”, fazendo referência a obra de Riis - How the other half lives, também eles podem construir e dar a conhecer a sua própria imagem, com o seu próprio olhar de agente morador e modificador da comunidade, com voz, conhecimento e meios técnicos para produzir sua própria imagem e transformar sua realidade.
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5- Considerações Finais
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As transformações sociais ocorridas no final do século XX e início do século XXI, que culminaram no advento do Terceiro Setor no Brasil, levaram a mudanças na forma de concepção e de produção do fotodocumantarismo de denúncia social. Sujeitos que de alguma forma são excluídos socialmente deixaram de serem apenas expectadores das imagens produzidas nos lugares nos quais eles estão inseridos e passaram a ser produtores de fotografias que retratam, sob uma ótica coletiva, esse ambiente.
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A produção de imagens leva a visualização de situações ocultadas pela rotina e faz com que questões sociais sejam encaradas, discutidas e problematizadas. Por meio de formas de comunicação alternativas, as fotografias realizadas nos projetos sociais chegam a locais onde a visibilidade confere valor a esse novo tipo de fotodocumentarismo social, por vezes permeado de denúncias. Esses fotodocumentaristas passam a ser percebidos de outra maneira pela sociedade, que confere valor ao cidadão produtor de informação e reconhece seu trabalho.
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Trabalhos acadêmicos, discussões entre estudiosos da área e apoio de Instituições de Ensino Superior dão credibilidade a essas iniciativas, que por meio de projetos de responsabilidade social de grandes empresas tornam viáveis essas ações de inclusão social e visual, trazendo novas responsabilidades para os tradicionais fotodocumentaristas de denúncia social.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CHAMPAGNE, Patrick. A visão midiática. In: BOURDIEU, Pierre. A miséria do mundo. 1ª ed. Petrópolis: 1997. p.747 p.693- 713.
DIREITOS VISÍVEIS 1, 2006, Centro Universitário Senac – Campus Santo Amaro São Paulo, Exposição Fotográfica- Direitos Visíveis: Fotografia com e para jovens. São Paulo, Editora Senac, 2006
GURAN, Milton, O olhar engajado: inclusão visual e cidadania. Disponível em http://www.studium.iar.unicamp.br/ Acesso em 20 mar. 2009
LOMBARDI, Katia Hallak, Documentário imaginário: reflexões sobre a fotografia documental contemporânea, Discursos Fotográficos. Londrina, vol 4, nº 4, 36 -58 UEL, 2008
LUCAS, Peter. Viva Favela: fotojornalismo, inclusão visual e direitos humanos. In: JUCÁ, Mayra. VivaFavela 1ª Ed. Rio de Janeiro: Editora Olhares, 2008
MENDES, Ricardo. Fotografia e inclusão social: revendo experiências das últimas três décadas. Disponível em :
http://www.centrocultural.sp.gov.br/revista_dart/pdfs/dart12%20fotografia%20e%20inclus%E3o%20social.pdf. Acesso em: 20 mar. 2009.
NASCIDOS em Bordéis. Direção, Produção e Edição: Zana Briski e Ross Kauffman. India, EUA, 2004,1 DVD (85 min), DVD
SOUSA, Jorge Pedro. Uma história crítica do fotojornalismo ocidental. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004.