terça-feira, 31 de agosto de 2010

Mercantilização da comunicação

Participei hoje de um evento que me chamou à reflexão.
Quando se está na academia e sua vida é dedicada ao ensino e a comunicação a intenção é sempre a de aliar a ciência, o pensamento e a cidadania.

Utopicamente tenho tentado aliar essas coisas e contribuir de alguma maneira para que pessoas bem formadas possam ser mais conscientes do seu papel, não só profissional, mas social, do ponto de vista que nossas ações comunicativas são como ondas que são disparadas e que em algum momento voltam, como um circuito vivo, trazendo consequências positivas ou negativas.

Hoje durante a aula inaugural dos cursos de comunicação social da PUC Goiás, o convidado abordou de forma muito veemente as fortes relações comerciais que envolvem a comunicação.
Por inúmeros momentos afirmou a importância na obtenção de resultados e a implantação de medidas que vislumbram o lucro.

Confesso que saí desse encontro um tanto decepcionado por perceber que vivemos um processo de plena mercantilização da comunicação que deveria se social, mas que é puramente capital. As palavras do gestor da Organização Jaime Câmara foram bem claras nesse sentido.

Sei que a necessidade de sobrevivência é uma questão muito clara no mercado, sobretudo por conta do modelo privado de comunicação adotado no Brasil, onde não há investimento público para a viabilização dos veículos.

Talvez tenha sido "inocência" de minha parte pensar diferente, em não considerar as colocações de Theodor Adorno sobre o processo de narcotização exercido pelos meio de comunicação de massa. Contudo ainda sou otimista, quanto uma comunicação comunitária, mais humana, que possa entreter, informar, prestar serviço e sobreviver mercadologicamente com dignidade, sem ferir as relações humanas em função do capital puramente.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A Alma do Negócio

Em sua maioria amadores, figurantes e atores de comerciais Goianos contam como é sua rotina

Por Renato Queiroz - O Popular - Magazine - 01.08.2010

À primeira vista, o empresário Ildeumar Santos de Moraes, de 42 anos, é mais um rosto na multidão de anônimos. No entanto, os mais atentos sempre têm a impressão de conhecê-lo de algum lugar. Escutar que seu rosto é familiar virou uma constante na vida do empresário dono de uma pizzaria e de uma lotérica. Os mais atentos têm razão.

Há mais de 15 anos, Ildeumar é presença constante como figurante e ator nos comerciais de TV produzidos em Goiânia. Em seus poucos segundos de fama, já interpretou de tudo um pouco. Agora, com os cabelos já grisalhos, é muito convidado para viver o papel de pai de família (apesar de não ter filhos na vida real). Assim como a maioria dos profissionais que estão no mercado goiano, Ildeumar é amador e faz da participação dos comerciais um bico, quase um hobby. "Comecei a gravar para acompanhar minha mulher. Apesar de ser tímido, logo peguei o jeito da coisa."

A mulher do empresário é a ex-Miss Goiás Fabiana Nogueira, de 39 anos, que faz trabalhos publicitários desde a adolescência. Em suas primeiras propagandas, Ildeumar contracenava como par dela. Foi uma solução para não despertar ciúmes, explica Fabiana. O casal coleciona comerciais românticos de datas festivas como o Dia dos Namorados e o Natal. "Com o tempo, ele começou a fazer tanto sucesso que logo estava fazendo propagandas sozinho", conta, orgulhosa, Fabiana, que é designer de interiores.

Um dos trabalhos mais marcantes do empresário foi um comercial para a Exposição Agropecuária de Goiás. Vestido de caubói, ele convidava o público para prestigiar a tradicional exposição. "Na época, foi uma loucura. Em todo lugar que íamos alguém o reconhecia. A cada cinco minutos, uma pessoa o parava para falar do comercial", lembra Fabiana, que tem no currículo mais de 500 propagandas. Atualmente, ela está no ar na publicidade do Fujioka e do Feijão Barão.

Minutos de celebridade

A maioria dos atores dos comerciais locais participa das gravações em seus momentos de folga. Atravessar uma rua, torcer numa arquibancada lotada, dirigir um carro ou fingir que está conversando são as atribuições comuns dos figurantes de comerciais. Mas engana-se quem acha ser fácil entrar e sair de cena sem ser notado. Ganhar pouco - às vezes, o cachê não passa de R$ 30 e um lanche - e esperar por horas também são rotinas da profissão. A maioria dos trabalhadores grava os filmes em seus momentos de folga.

"Quando era estudante, gravava mais. Agora, a prioridade é o consultório", explica o cirurgião-dentista Rogério Penna, de 26 anos. Há sete anos, indicado por um amigo que é modelo, Rogério começou a fazer trabalhos publicitários. No início fez figuração sem fala, mas logo chegou à condição de protagonista. Rogério frequentou cursos de teatro e chegou a tirar o registro como ator profissional na Delegacia Regional do Trabalho (DRT).

Mas a odontologia continua sendo sua atividade principal. "Compensa apenas quando a gravação é bem rápida. Em alguns casos, dá para ganhar R$ 100 em menos de duas horas", explica o dentista, que participou do último comercial da Flávio’s ao lado do apresentador Rodrigo Faro. De vez em quando, um ou outro paciente o reconhece das propagandas na TV.

Aparecer na TV ou ser famoso nunca esteve nos planos do engenheiro civil e empresário Daniel Mathias Caixeta, 25 anos. O convite inusitado para participar de um comercial de TV veio, há três anos, de uma produtora enquanto ele tomava um açaí numa lanchonete. "Fiquei com o pé atrás, mas topei". Ele conta que a sensação de se ver pela primeira vez na TV foi, no mínimo, estranha.

"Fiquei apreensivo, mas depois fui me familiarizando." Claro que os amigos da faculdade não deixaram passar em branco a estreia do moço na TV. Um dia, Daniel chegou na sala e tinha uma foto dele imensa pregada no quadro. Virou a celebridade da turma.

O mercado de figuração e de atores para comerciais em Goiânia é democrático: tem vaga para criança, idoso, adulto, negro, branco, ruivo, bonito e para o feio também. Para quem quer começar na figuração, o primeiro passo é se cadastrar numa das produtoras da cidade. De uns anos para cá, por causa da demanda e da facilidade do vídeo digital, o mercado teve um boom.

"Como Goiânia não tem agência de casting, quando precisamos de tipos específicos para comerciais procuramos em agência de modelos, em nosso banco de dados e por indicação de conhecidos", explica Nelci Batista, 41 anos, coordenadora de produção da Makro Vídeo. Sites de relacionamento com o Orkut e o Facebook também ajudam na hora de descobrir talentos.

Nelci conta que não devem passar de 30 os atores profissionais em Goiânia que trabalham na área. "Ainda tem o agravante de que, quando um desses atores faz um comercial de um produto ou de um loja, ele não pode fazer o de outro cliente do mesmo ramo", explica.

Foram os cabelos brancos e o jeito de vovó bondosa que fez da culinarista Zilda Silveira de Oliveira, de 62 anos, presença constante na telinha. A carreira começou por acaso quando acompanhava sua filha para participar de um comercial há alguns anos. "Me pegaram no laço para fazer uma vovó e desde então não parei", conta. Entre seus vizinhos no Centro, Zilda é conhecida como a "senhora que faz comerciais".

Ela minimiza. "Nem foram tantos assim, mas alguns marcaram porque foram exibidos durante muito tempo." Caso da campanha do lançamento da carteirinha do idoso e do incentivo para os carros pararem na faixa de pedestre que foi exibido por quase 12 meses. "Até hoje me reconhecem na rua por causa desse comercial. Um dia estava atravessando na rua fora da faixa e uma pessoa me repreendeu lembrando que tinha a obrigação de dar o exemplo." Porque a realidade e a ficção ainda se confundem. (Renato Queiroz)

Voz onipresente

Você a escuta no comercial de motel, na cancela do shopping agradecendo a sua visita e pedindo para inserir o tíquete e no atendimento automático das concessionárias de serviços públicos. A voz de Beth Regina, de 47 anos, está espalhada pelos quatro cantos da cidade. Locutora veterana da Executiva FM, Beth calcula já ter gravado mais de 22 mil inserções entre propagandas e Unidade de Resposta Audível (URA) - aquele sistema utilizado em atendimentos eletrônicos, para todo País.

"É engraçado porque as pessoa não têm ideia de como é meu rosto, mas basta escutarem minha voz para falar que me conhecem de algum lugar", conta. A remuneração não é lá essas coisas - um comercial de 15 segundos custa em média R$ 150 - mas é do volume de negócios que vem o lucro. Em seu estúdio em casa, Beth grava para todo o País.

Responsável pelo sucesso de diversos jingles de comerciais, o cantor Marcelo Barra explica que a receita é a simplicidade. "O jingle tem que cair no gosto popular. Procuro fazer uma melodia que não se identifique com nenhum ritmo para evitar a rejeição." Entre os jingles mais conhecidos de Marcelo, produzidos em parceria com seu irmão, Rinaldo Barra, estão o do BEG, que cantava com a cantora Maria Eugênia, e do Arroz Cristal, que recentemente ganhou versão tocada por uma orquestra regida pela atriz Regina Duarte.

Intimidade com a clientela

O Nunes e o Edson falam de si mesmo na terceira pessoa. O Edson é o Arantes do Nascimento, o Rei Pelé. O Nunes é o Nunes da Casa do Pica Pau. Exageros à parte, o gerente comercial Sebastião Nunes, de 48 anos, há seis no ar como garoto-propaganda da empresa onde trabalha há 25, confirma diariamente o prestígio que o comercial trouxe para si e para a empresa.

"Os clientes já chegam familiarizados. Essa é a parte boa do comercial. Ele cria uma intimidade com a clientela. A credibilidade do Nunes da TV é muito grande", explica o Nunes da vida real. Comunicativo e bom negociador, o funcionário caiu na graça dos patrões que apoiaram a sua ideia de virar garoto-propaganda da rede de lojas que vende máquinas e equipamentos. Ideia que teve como parceiro José Mário da Cunha, 55, diretor de criação da agência de publicidade OMB.

"O Nunes é dotado de um carisma e uma empatia fora do comum. O tipo físico ajudou muito. Ele não parece, mas lembra o baixinho da Kaiser (o ator José Valien Royo). Além disso tem muita facilidade de se comunicar", explica Zé Mário. O slogan "Fale com o Nunes" pegou. Em qualquer lugar que vá em Goiânia, o gerente é abordado pelas pessoas. "Até autógrafo já dei", conta.

Ele foi recebido como celebridade quando foi visitar os pais que moram numa fazenda na zona rural da cidade de Goiás. "Nunca imaginei que a repercussão de um comercial tão rápido fosse tão grande", explica Dercival José de Barros, de 55 anos, gerente de vendas da Irmão Soares e figurante de um dos comerciais da rede. Ao contrário do Nunes - que achou melhor não falar se recebia ou não cachê por seus comerciais - Dercival confirmou que sua participação foi voluntária.

Associar sua imagem a uma marca acaba gerando situações curiosas. Até gente mais próxima da cantora Leandra Leon, 35 anos, ainda pergunta se ela é dona ou filha do dono do Ponto da Moda. Há sete anos, a artista está no ar fazendo comerciais da loja de roupas. Grava, no mínimo, duas vezes por mês. "Não tenho relação de parentesco com os donos, mas é engraçado porque não tem um lugar que eu vá em Goiás que as pessoas não me perguntem isso", conta.

Leandra diz que acabou criando laços de amizade com os donos e funcionários. As filmagens ocorrem na própria loja. Quando a empresa faz algum comercial sem a presença da cantora, logo alguém liga para perguntar o que aconteceu. "Parece novela", compara. Há tempos, confessa Leandra, ela não recebe cachê em dinheiro. "Sou paga com mercadorias. Pego roupa de cama, enxoval, presente para amigos...".

Para o publicitário Marcelo Costa, professor do curso de Publicidade e Propaganda da PUC-GO, a escolha correta dos personagens que vão aparecer no filme publicitário é uma das ferramentas fundamentais para que a peça cause a identificação buscada. "A escolha de um bom casting é de fundamental importância para o sucesso da campanha, pois é ele que vai falar ao consumidor. Em muitos casos é a própria personificação dos atributos do produto."

Marcelo lembra que, apesar do cenário publicitário regional ser relativamente recente, a publicidade goiana já produziu personagens lendários como o Velho Joe do Café Cairo, interpretado por Hugo Brooks (década de 1980), Geraldinho Nogueira, garoto-propaganda da Caixego (década de 1980) e até as "bizarras propagandas da Star’s Chic interpretadas por seu próprio dono" (o empresário Robério Alves de Oliveira). Robério, aliás, continua em plena atividade. Seus vídeos caíram no YouTube e viraram cult. A dupla caipira Nilton Pinto e Tom Carvalho também domina o mercado publicitário desde a década de 1990.

Os profissionais

Gente disposta ter uns minutinhos de fama na TV é o que não falta. "Tem até quem pague para aparecer num comercial. Isso acaba atrapalhando os profissionais da área", reclama o ator profissional e artista plástico Sandro Tôrres, um dos rostos mais requisitados pelo mercado publicitário goiano. Ele começou a fazer comerciais há mais de 15 anos.

Na época, magérrimo e com o cabelo bem comprido, não se importava em fazer tipos bizarros. Hoje já não se presta a qualquer papel. "A gente precisa manter a dignidade da imagem." Sandro conta que um ator de comercial precisa ter boa vontade. "A coisa que mais acontece é esperar. É um exercício de paciência."

O ator João Bosco Amaral, da Cia Ops!..., acredita que o uso de amadores acaba prejudicando o valor dos cachês pagos. "Tem gente fazendo comercial que leva 12 horas para ser gravado por R$ 10. Isso é ruim para todo mundo", reclama. Uma das soluções encontradas pelos profissionais é fazer trabalhos para outras regiões do País.

O ator Ivan Lima já perdeu a conta de quantos comerciais já fez pelo País. Alguns dos comerciais estão disponíveis no YouTube. "Já fui maître, general, Einstein, avô, pai, marido... Acho a publicidade um exercício de atuação. Existem diretores maravilhosos pelo País", afirma o ator, que já contracenou em comerciais com nomes como Irene Ravache, Paulo Autran e Lucinha Lins.